sábado, 7 de dezembro de 2013

Intervenção disciplinar - por Márcia Porcaro - 4º período Pedagogia - Psicologia

UEMG – UNIDADE DE LEOPOLDINA - CURSO DE PEDAGOGIA Disciplina – Psicologia Professora: Susana Aluna: Márcia Porcaro Salomão Na entrevista inicial enfocava alguns comportamentos dos alunos e sua dificuldade em lidar com estes de uma forma que não fosse desgastante. conversa excessiva dos alunos; a agressão verbal entre eles, o modo como apontam defeitos do outro e não reconhecem as próprias inadequações. Disse que é um desgaste parar a aula a todo o momento para chamar a atenção e que não gostaria de precisar usar reforço negativo”, para conseguir silêncio, porém o faz porque os alunos só atendem quando ela explode entrevista e conversas informais com a professora sobre a intervenção realizada junto aos alunos, para que essa se reconhecesse como coprodutora do contexto. A proposta de trabalhar em duas vertentes, a saber, com os alunos e com a professora, fundamentou-se no pressuposto de que qualquer mudança em uma dada situação implica os vários polos da relação que a constituem. Observação Dinâmicas de atividades Para conhecer a situação e ao mesmo tempo estabelecer vínculo com os alunos e a professora, condição para qualquer intervenção psicológica, foram realizadas 15 observações em sala de aula, em diferentes dias, horários e disciplinas. No primeiro dia, após breve apresentação e explicação da proposta de trabalho, a recepção, por parte dos alunos, foi calorosa, o que pode ser explicado pelo fato de estarem acostumados à presença de estagiários posto se tratar de colégio vinculado a uma universidade. as relações entre os alunos, destes com a professora e dela com os alunos. a turma mostrou ter muita energia e intensas trocas corpo e voz eram constantemente usados para comunicar. muitos alunos falavam ao mesmo tempo, a professora falava sem ser ouvida , todos queriam participar ao mesmo tempo vários alunos levantavam a mão, queriam ser ouvidos, mas não se dispunham muito a ouvir o outro. pedia silêncio sem levantar o tom de voz; chamava a atenção de alunos individualmente; chamava a atenção da turma, levantando a voz e demonstrando sua irritação ameaçava os alunos com algo desagradável para eles, como ficar na aula depois do término das atividades, ou não ir a brinquedoteca; Geralmente as últimas estratégias eram usadas quando as primeiras não surtiam efeito. não reconhecerem as próprias inadequações, pois em diversas ocasiões um aluno que recém havia parado de falar chamava a atenção de um colega que estava conversando. A agressão entre os alunos foi observada como parte das interações, algo que iniciava sempre entre risos, como uma brincadeira de provocar o outro, com palavras, olhares, tapas ou socos, e que às vezes ultrapassava um limite que não estava claro para eles. o do aluno modelo, admirado e respeitado por todos; o do bode expiatório da turma; o do aluno excluído . Alguns desses lugares eram identificados através de apelidos pejorativos, que faziam trocadilhos com os nomes, como por exemplo, “Otário” ao invés de Otávio. cada aluno elegeu três colegas com quem gostaria de fazer um trabalho na sala de aula e três com quem gostaria de passar um final de semana. circular pela sala enquanto fala se aproximar de quem estiver conversando, em vez de ficar lá na frente e de lá chamar a atenção de alguns alunos individualmente; ter claro para si e deixar claro para os alunos algumas regras de comunicação, a serem coletivamente acordadas: por exemplo, quanto ao aluno levantar o braço e esperar sua vez para falar; distribuir a vez de falar aos alunos mediante algum sistema de sorteio; Mas como de nada adiantaria a professora conceder a palavra ao sorteado se os colegas não o escutassem, fazia-se necessário um trabalho de mobilização do grupo para essa nova forma de relação. O planejamento de como inserir o sorteio foi elaborado conjuntamente com a professora e consistiu em uma dinâmica de intervenção focal onde vários aspectos foram trabalhados. sala com espaço para acomodar os 25 alunos,. os alunos em círculo no chão, Foi dito aos alunos que seria uma brincadeira com várias etapas, mas que só funcionaria se aceitassem as regras. Os alunos foram convidados a caminhar, observando um detalhe da sala que ainda não tinham notado. deveriam parar e formar duplas, olhando para o colega mais próximo e procurando reconhecer nele algo que achavam legal, alguma coisa que gostavam. Durante todo este momento a regra era não encostar nos colegas e ficar em silêncio. colou-se uma fita adesiva na boca de cada aluno após explicar-lhes que isso os ajudaria com sua dificuldade de ficar em silêncio. Um de cada vez tirava a fita, contava o que havia observado da sala e recolocava a fita. Explicou-se que quem estivesse com a fita na boca estaria fazendo um exercício de escuta, prestando atenção no colega que estivesse com a palavra e este, ao passar sua vez de falar, recolocaria a fita para também respeitar a vez de falar do outro colega, assim como a sua vez foi respeitada. Nesse momento os alunos começaram a entrar no jogo. Cada um percebeu um aspecto diferente da sala e o compartilhou com os colegas. Finalizou-se este momento comentando como essa brincadeira tinha sido interessante para perceber que na vida, nas situações em que se vive, no espaço da sala de aula ou fora dela, muitas vezes não se costuma enxergar o que está diante dos olhos, Destacou-se também que cada um havia notado um aspecto diferente na sala, ou seja, cada pessoa via por um ângulo diferente o contexto que era, em tese, igual para todos. Um aluno de cada vez contava para a turma o que havia reconhecido de legal no colega com quem formou dupla e vice-versa. Nesta atividade, o aluno que falava retirava a fita mas não a recolocava, porque teria o desafio de por si mesmo ficar em silencio; um aluno de cada vez contava para o grupo um segredo seu. chamando a atenção para o fato de que cada pessoa é única, singular, tem aspectos positivos que conhecemos e outros que desconhecemos. a marca pessoal de cada um, tendo no verso o nome da chamada e na frente um nome especial, podendo ser algum animal, planta ou elemento da natureza, escolhido por apresentar uma característica que eles admiram e se identificam. Além disso, foi proposto que os alunos desenhassem uma figura que representasse esse nome. Finalizada a tarefa, foi aberto espaço para que cada um mostrasse o seu cartão para o grupo e dissesse porque escolheu aquele nome e desenhou aquela figura, guardando em seguida o cartão num saquinho que ia passando de um e um. foi explicado o destino que seria dado àquele saquinho e aos cartões de identidade: seriam usados para sorteio quando a professora tivesse uma atividade de correção de exercício; então, em vez de todos falarem ao mesmo tempo, a professora sortearia quem iria responder à questão e todos precisariam prestar atenção, porque qualquer um teria chances de ser sorteado. a maioria destacou que foi ruim, não podiam falar, conversar, que isso dava agonia porque são costumados a falar muito, foi difícil ficar em silêncio, que era impossível não falar. Um aluno que não usou a fita porque estava com o nariz congestionado disse que, sem a fita, foi mais difícil ficar em silêncio. lado positivo de terem usado a fita, pois assim conseguiram ficar um pouco em silêncio A atividade foi encerrada com a proposta/desafio de exercitarem diariamente em sala de aula o respeito à sua vez de falar e o escutar quando o outro está falando, sem precisar do controle externo de uma fita. Segundo a professora, o sorteio, solicitado pelos próprios alunos, estava sendo útil para a organização das falas durante atividades de correção, pois nesses momentos respeitavam a vez de cada um falar. No entanto, a mudança não acontecia em outras situações, como durante as explicações de conteúdos, onde as conversas paralelas continuavam. Os alunos tinham sido mobilizados para a mudança. Porém, como esse problema de comunicação não estava localizado neles e sim na relação entre eles e a professora - relações essas mediadas por uma lógica institucional que imprimia às práticas educativas a cisão entre saber/não saber, quem fala e quem escuta - também dependia dela agir de modo diferente para que mudanças realmente acontecessem. Foi refletido com a professora, quais eram os momentos em que realmente precisava do silêncio da turma e em quais momentos poderia dar liberdade para que conversassem, sobre quando a atenção precisava estar centrada na professora e quando não precisava. Ela falou que não exigia silêncio todo o tempo, mas em momentos como quando precisava dar orientações sobre exercícios ele era necessário e difícil de ser estabelecido. Foi perguntado se achava possível buscá-lo através de outra maneira que não coercitivamente, através do riso, por exemplo, chamando a atenção deles para algum modo de agir que fosse inusitado. Ela disse que pensaria sobre isso. Destacou-se então que o mais importante era essa posição aberta, sua disponibilidade para refletir sobre as situações de sala de aula e buscar, na interlocução com um outro, possibilidades diferenciadas de ação. Compreender o modo como as relações professora/alunos e entre os próprios alunos estavam configuradas. Desse reconhecimento adveio a socialização do que foi observado para a professora, condição indispensável a troca de impressões e reflexão sobre o modo de ação de alunos, professora e do próprio profissional psi, implicando todos na (re)produção das relações sociais que constituem o contexto escolar (Zanella, 2003). A constituição desse espaço dialógico com a(s) professora(s) é uma das importantes contribuições do(a) psicólogo(a) que atua em contextos escolares No caso da intervenção aqui relatada, a partir do diálogo com a professora foi possível refletir sobre sua prática, bem como planejar uma atividade que mobilizasse alunos e professora para outras formas de agir e se relacionar. A questão da conversa excessiva dos alunos foi trabalhada na intervenção justamente de modo a mobilizar os alunos nesse processo de autorregulação da própria conduta, utilizando para isso a mediação de várias ferramentas8: a fita adesiva na boca, o destaque para a necessidade de escutar e ser escutado, o sistema de sorteio para que todos tivessem chance de obter o direito à palavra. A fita, portanto, era um recurso simbólico, uma mediação externa que precisava ser apropriada por eles. Era necessário fazê-los se apropriar dessas significações, pois a apropriação da linguagem possibilita à criança dominar o seu movimento, submetendo-o ao controle das funções simbólicas, ou seja, sua ação pode ser pensada e planejada, sua atividade pode a ser autorregulada. A escolha do meio lúdico para envolver os alunos na apropriação dessas significações foi estratégica. Dizer-lhes simplesmente que era necessário conter o desejo de estabelecer conversas paralelas durante as aulas era um recurso ineficiente, que os imputava ao lugar de assujeitados a uma condição externa. Por outro lado, envolvê-los em uma brincadeira onde a regra era ficar em silêncio para escutar a fala do outro, significava considerá-los como sujeitos ativos na produção de um contexto relacional novo, onde escolhiam subordinar seu impulso de falar à sua vontade de participar do jogo. Esse atributo essencial da brincadeira, de fazer com que uma regra se torne um desejo, é destacado por Vygotski a situação do brinquedo exige que a criança aja contra o impulso imediato. além da atividade lúdica, o momento de compartilhar a experiência, fundamental para explicitar as significações ali engendradas, bem como conhecer o modo como os sujeitos haviam delas se apropriado. Este momento de reflexão foi importante na mobilização dos sujeitos para a mudança, uma vez que “...o desenvolvimento da vontade, a capacidade de fazer escolhas conscientes, ocorre quando a criança opera com o significado de ações. A interação das crianças e destas com a professora durante a intervenção, a confrontação ativa e cooperativa de diferentes pontos de vista, criou um espaço intersubjetivo definido por Vygotski como Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Segundo Zanella, Zona de Desenvolvimento Proximal consiste no campo interpsicológico onde significações são socialmente produzidas e particularmente apropriadas, constituído nas e pelas relações sociais em que os sujeitos encontram-se envolvidos com problemas ou situações em que há o embate, a troca de ideias, o compartilhar e confrontar pontos de vista diferenciados o que caracteriza a ZDP é a confrontação ativa e cooperativa de compreensões variadas a respeito de uma dada situação. Cabe ainda destacar a importância de o professor realizar mediações que possibilitem aos alunos assumir atitudes que de forma autônoma ainda não seriam capazes. Várias falas da professora no decorrer da atividade com os alunos tiveram essa dimensão, fundamentalmente porque assentes na confiança nos próprios alunos. Esse acreditar nos alunos é fundamental para toda e qualquer mudança, pois “(...) as expectativas do professor sobre o desempenho dos alunos pode funcionar como uma profecia educacional que se autorrealiza. Essa autorrealização não se dá pela profecia em si, senão que a forma de agir do professor na relação com os alunos, influenciada por essa crença, acaba contribuindo para esse resultado. A questão do preconceito dirigido a alguns alunos foi trabalhada na dinâmica através dessa possibilidade de resignificação, ou seja, mobilizando os alunos para uma mudança de olhar, convidando-os a buscar reconhecer no outro o que ele tinha de positivo. Isso foi feito sobretudo em relação a José Otávio, que era chamado pelos colegas, em várias ocasiões, de “José Otário”. Através da criação do cartão de identidade os alunos tiveram a possibilidade de escolher como gostariam de ser chamados, o que enfatizou as singularidades ali presentes. Essa mudança de olhar é fundamental, pois: O aluno, é claro, é protagonista de sua própria história, porém esta não é somente sua, é produzida e reproduzida pelos muitos outros com os quais convive. Resignificar trajetórias é tarefa árdua e requer, nesse sentido, muito mais que a mudança de postura do próprio sujeito: é necessário que esses muitos outros transformem olhares, atitudes e expectativas, permitam enfim a circulação, produção e apropriação de sentidos outros que expressem/constituam diferentes formas de pensar, sentir e agir. Em geral, os professores de ensino regular, ao solicitarem ajuda de profissionais da psicologia, localizam os problemas que enfrentam em sala de aula nos alunos, sejam nas dificuldades de aprendizagem ou nas dificuldades de relacionamento destes com colegas e/ou professores. No caso da intervenção aqui relatada, a queixa apresentada pela professora também vinha nessa direção. Porém, um diferencial nessa queixa foi o reconhecimento, por parte da professora, de sua própria dificuldade em lidar com as conversas paralelas dos alunos, o que possibilitou a constituição de um espaço, tanto com a professora como com a professora e os alunos, para refletir sobre as relações interpessoais em sala de aula e as possibilidades de virem a ser modificadas. A contribuição de um profissional em psicologia nesse movimento pode ser fundamental, desde que se disponha a conhecer o contexto em que irá intervir, que se disponha a ouvir seus diferentes partícipes e construir com estes espaços de reflexão e resignificação de práticas e relações. A intervenção aqui relatada pretendeu seguir essa diretriz, embora seu espectro e resultados tenham sido limitados. Afirma-se isso porque se reconhece a necessidade de que a atuação da psicologia em contextos escolares seja ampliada, de modo a envolver todos os professores, outros profissionais, os alunos e seus responsáveis. Necessário se faz, nessa perspectiva, ampliar os canais de comunicação, pois toda e qualquer mudança em contextos educacionais se efetiva a partir de relações dialógicas em que as práticas pedagógicas e possibilidades de sua transformação constituem-se como foco do debate, da problematização rigorosa que fundamenta a (re)criação de saberes e fazeres.

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